Os cientistas já
admitem que as práticas espirituais fazem bem à saúde.
Esse fenômeno é
resultado de várias circunstâncias. Uma delas diz respeito à
demanda dos próprios pacientes por um tratamento que contemple sua
saúde em dimensões mais amplas. Eles querem ter seu lado espiritual
respeitado e incluído nas terapias. Um estudo da Universidade de
Ohio (EUA) feito no ano passado com 798 pessoas deixa esse anseio
patente. Segundo o trabalho, cerca de 85% dos voluntários gostariam
de discutir sua fé com o médico e 65% deles esperavam compreensão
desse desejo por parte dos doutores.
Outra razão que
explica o crescimento da importância do assunto está ancorada na
observação clínica dos efeitos positivos da espiritualidade. Já
são muitos os médicos que fazem essa constatação no dia a dia. O
oncologista Riad Yunes, do Hospital do Câncer de São Paulo, é um
deles. "Os pacientes que têm religiosidade parecem suportar
mais as dores e o tratamento. Também lidam melhor com a idéia da
morte", observa.
Esse tipo de
informação já aparece em diversas pesquisas. Muitas estão sendo
feitas sob a batuta do médico Harold Koenig, da Universidade de Duke
(EUA). Entre seus achados estão resultados interessantes. Pessoas
que adotam práticas religiosas ou mantêm alguma espiritualidade
apresentam 40% menos chance de sofrer de hipertensão, têm um
sistema de defesa mais forte, são menos hospitalizadas, se recuperam
mais rápido e tendem a sofrer menos de depressão quando se
encontram debilitadas por enfermidades. "Hoje há muitas
evidências científicas de que a fé e métodos como a oração e
meditação ajudam os indivíduos", afirma Thomas McCormick, do
Departamento de História e Ética Médica da Universidade de
Washington (EUA).
Estimulados por essa
realidade, os cientistas procuram respostas que elucidem de que modo
esse sentimento interfere na manutenção ou recuperação da saúde.
Há algumas explicações. Uma delas se baseia numa verdade óbvia: a
de que quem cultiva a espiritualidade tende a ter uma vida mais
saudável. "Os estudos comprovam que a religiosidade proporciona
menos comportamentos auto-destrutivos como suicídio, abuso de drogas
e álcool, menos stress e mais satisfação. A sensação de
pertencer a um grupo social e compartilhar as dificuldades também
contribuiria para manter o paciente amparado, com melhor qualidade de
vida", explica o psiquiatra Alexander Almeida, do Núcleo de
Estudos de Problemas Espirituais e Religiosos do Instituto de
Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).
Para os cientistas,
essa explicação é só o começo. O que se quer saber é o que se
passa na intimidade do organismo quando as pessoas oram, lêem textos
sagrados e qual o impacto disso na capacidade de se defender das
doenças. Embora não existam estudos conclusivos, acredita-se que
esse plus esteja relacionado a mudanças produzidas pela fé na
bioquímica do cérebro. "Setores do sistema nervoso
relacionados à percepção, à imunidade e às emoções são
alteráveis por meio das crenças e significados atribuídos aos
fatos, entre outros fatores. Assim, um indivíduo religioso tem
condições de atribuir significados elevados ao seu sofrimento
físico e padecer menos do que um ateu ou agnóstico", explica o
psicólogo e clínico João Figueiró, do Centro Multidisciplinar da
Dor do Hospital das Clínicas (HC/SP).
Para aprofundar as
investigações, está surgindo até um novo campo de conhecimento,
chamado de neuroteologia. Trata-se de uma área de pesquisa dedicada
ao estudo da resposta das regiões cerebrais em face da fé e da
espiritualidade. Um dos pesquisadores da área é o neurocirurgião
Raul Marino Jr., chefe do setor de neurocirurgia do Hospital das
Clínicas de São Paulo. Em julho, ele lançará um livro dedicado ao
estudo dessas reações (A religião do cérebro, Ed. Gente).
"Práticas como a prece, a meditação e a contemplação
modificam a produção de substâncias do cérebro que têm atuação
em locais como o sistema límbico, envolvido no processamento das
emoções", garante o especialista. Marino reuniu estudos feitos
com aparelhos de ressonância magnética, PET/Scan (equipamento de
imagem de última geração) e dezenas de trabalhos mostrando as
modificações no cérebro.
Médiuns – A
abrangência dos estudos também está aumentando. Se antes a maioria
das pesquisas estudava populações protestantes, católicas e
adeptos do judaísmo, agora começam a surgir trabalhos com
praticantes de outras religiões. O psiquiatra Almeida, da USP,
verificou a saúde mental de 115 médiuns espíritas. Descobriu que a
incidência de transtornos como ansiedade e depressão nessa
população fica em torno de 8%, um porcentual menor do que a
estimativa encontrada na população em geral, de 15% de incidência.
Todo esse movimento
está levando muitas escolas de medicina a abrir espaço para debate.
De acordo com um trabalho da Universidade de Yale (EUA) publicado no
Jornal da Associação Médica Americana (Jama), em 1994 apenas 17
faculdades americanas ofereciam cursos sobre medicina e
espiritualidade. Em 2004, já eram 84 instituições. No Brasil, a
Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará inaugurou,
também no ano passado, um curso opcional de 20 horas. Cem alunos já
cursaram a disciplina. "A mudança está ligada a uma nova
abordagem da escola médica, focada na humanização do
relacionamento do médico com o paciente", diz a criadora da
disciplina, a professora de histologia e embriologia humana Eliane
Oliveira.
Aos poucos, essa
modificação começa a se desenhar nos hospitais brasileiros. Um dos
médicos que fazem questão de estimular a prática da
espiritualidade em seus pacientes é Eymard Mourão Vasconcelos, da
Universidade Federal da Paraíba e com pós-doutorado em
espiritualidade e saúde pela Fundação Oswaldo Cruz. Para ele, não
restam dúvidas quanto ao poder da fé na recuperação dos doentes.
"É preciso despertar a garra em portadores de enfermidades.
Isso não se faz com conhecimento técnico, mas mexendo com a emoção
profunda da espiritualidade", frisa. Outro que usa a ferramenta
da fé é o cirurgião oncológico Paulo Cesar Fructoso, do Rio de
Janeiro, integrante da Sociedade Brasileira de Cancerologia. "Mas
nenhum tratamento médico deve ser interrompido", ressalta.
Risco – O médico
toca em um ponto importantíssimo. Quando a religiosidade toma o
lugar da medicina, as coisas se complicam. Quem leva a fé a ferro e
fogo e decide depositar tudo nas mãos de Deus corre o sério risco
de perder a vida. Um estudo feito pelo médico Riad Yunes com três
mil pacientes de câncer de mama no Hospital do Câncer de São Paulo
mostra o quanto essa possibilidade é real. Segundo o trabalho, 20%
das mulheres preferiram fazer tratamentos espirituais antes de se
submeter à cirurgia e tomar os medicamentos indicados pelos médicos.
"Quando voltaram ao hospital, três ou quatro meses depois, os
tumores tinham dobrado de tamanho", diz Yunes. Como se vê, o
equilíbrio entre as necessidades da alma e as do corpo é um dos
segredos de uma boa saúde. É o que busca, por exemplo, a atriz
Lucélia Santos, 47 anos. "O desenvolvimento espiritual me traz
harmonia. A saúde do organismo e do espírito andam juntas",
diz.
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